O Paradoxo da Farinha Integral: O que diz a ciência e o que a gente encontra no mercado
- Pão do Bento

- 7 de dez.
- 4 min de leitura
A ciência é clara e convincente: cereais integrais são mais saudáveis. Esse consenso, bem estabelecido unanimemente na comunidade científica, conquistou também o coração dos consumidores. Mas aqui reside um problema incômodo: a indústria não ignorou essa tendência, e ao fazer isso, ressignificou completamente o termo integral, adaptando-o às suas possibilidades, ou limites.
Hoje, “integral” é uma alegação encontrada em praticamente qualquer prateleira. Mas a palavra
perdeu seu significado real. Muitos produtos se dizem integrais, mas eles mantêm apenas a ilusão de integridade — aquele aspecto mais escuro, aquela promessa vaga de saúde, mas a realidade nutricional, porém, é outra bem diferente.
A Herança de 150 anos: Um modelo concebido para separar, não para unir.
Mas não podemos dizer que o falso integral seja consequência simplesmente da ganância
descompensada da industria, o fato é que o modelo industrial de moagem de trigo que domina há um século e meio não foi pensado para fabricar farinha integral. Muito pelo contrário: ele foi concebido para separar.
No processo de fabricação de farinha integral, em moinhos de pedra, por exemplo, todos os elementos constitutivos do trigo, estão unidos num só produto;
No processo atual de fabricação de farinha branca, o grão de trigo é dividido em três componentes comerciais:
- A farinha propriamente dita (que corresponde ao endosperma amiláceo - que representa a maior
parte do grão);
- O farelo (a casca)
- O gérmen (a semente germinativa)
Não existem justificativas nutricionais para esse modelo produtivo industrial, é eminentemente
uma decisão comercial objetivando multiplicar os lucros.
Três produtos distintos. Três oportunidades de mercado. Três margens de lucro diferentes, mas que
toparam com esse desafio: a relevância que o produto integral passou a ter e que continua crescendo. A realidade técnica da farinha integral industrial:
O que a indústria realmente faz
Introdução ao Desafio
A produção de farinha integral em escala industrial apresenta um paradoxo fundamental: os
equipamentos modernos foram projetados para separar, não para integrar. Cilindros de aço, peneiras vibratórias e sistemas de ar — toda a infraestrutura industrial — trabalha naturalmente para fragmentar o grão em seus componentes comerciais. A indústria não "resolveu" esse desafio. Na verdade, ela o contornou.
O que a indústria realmente faz
A solução industrial não foi tecnológica, mas comercial: ela reconecta os componentes após a
separação. A farinha integral industrial é, tipicamente, uma mistura recomposta de:
Endosperma moído (farinha branca)
Farelo (parcialmente reintegrado)
Quantidades pequenas de gérmen
Essa abordagem sacrifica de forma radical o potencial nutricional do trigo e resulta num produto
castrado, onde os componentes já descaracterizados não estão naturalmente integrados, mas
mecanicamente recombinados.
Pois acontece que:
* O endosperma não representa uma área uniforme especialmente com relação a distribuição das
proteínas no grão, dessa forma, mais de um tipo de farinha é extraído dele. Então, qualquer que seja a farinha utilizada, ela não representa a totalidade do endosperma.
* Tanto o farelo quanto o gérmen passam por processos de estabilização, pois tem por natureza,
tendência a ficarem rançosos rapidamente, o que reduz drasticamente sua validade. Conclusão: a reconstituição trás uma farinha parcialmente reconstituída, com apenas uma parte da
carga nutricional do trigo original.
Mesmo assim, essa apresentação canônica do trigo nesses três macro elementos: endosperma,
farelo e gérmen, escondem uma parte nunca mencionada e que apesar de não ser macro, corresponde a cerca de 40% dos elementos nutricionais mais relevantes do grão de trigo, a aleurona.
A aleurona: Os nutrientes invisíveis que a indústria ignorou
Entre a casca (farelo) e o endosperma (farinha branca) existe uma camada finíssima, praticamente
microscópica: a aleurona.
Essa camada é um depósito natural de nutrientes. Proteínas de alta qualidade, vitaminas do complexo B, minerais como magnésio e fósforo, gorduras benéficas e fibras solúveis — tudo concentrado nessa fina membrana que representa menos de 2% do peso do grão, mas que carrega
desproporcionalmente mais nutrientes que qualquer outra parte.
A aleurona é, talvez, a parte mais nutritiva do trigo inteiro.
E sabe onde ela fica? Justamente na zona que é descartada pelo modelo industrial tradicional. Ela
adere ao farelo e é removida junto com ele quando se processa trigo para produzir farinha branca
refinada, ou seja, como não existe tecnologia para separar essa parte tão nobre, ela simplesmente é
incorporada ao farelo, como parte constitutiva dele.

Mas estamos falando da aleurona sobre nosso ponto de vista, ou seja sobre seus benefícios
nutricionais, mas o que ela significa para o grão de trigo?
Estrutura e Função da Aleurona
A aleurona é uma camada celular única, localizada entre o farelo (pericarpo) e o endosperma.
Constituída por células vivas e metabolicamente ativas, diferencia-se do endosperma por seu elevado conteúdo de proteínas, lipídios, minerais (magnésio, fósforo, potássio) e fitato. No grão maduro, funciona como barreira semipermeável e como depósito de nutrientes mobilizáveis durante a germinação.
Papel da Aleurona na Germinação
Longe de ser apenas um componente nutricional, ela funciona como um órgão regulador essencial
durante a germinação, orquestrando a mobilização de nutrientes para o desenvolvimento do broto.
Durante a germinação, a aleurona transforma-se em uma "fábrica bioquímica". Sob estímulo do embrião em desenvolvimento, secreta— amilases, proteases e lipases — que degradam as reservas
nutricionais do endosperma, tornando-as disponíveis para absorção pelo eixo embrionário.
O Pão do Bento

De forma espontânea, desde que começamos nossa produção há 40 anos atrás, conscientes da
ausência da farinha integral no mercado, partimos para a produção da nossa própria farinha integral
construindo nossos primeiros moinhos de pedra. Não tentamos reinventar o processo de fazer farinha integral, pois a milenar moagem em moinhos de pedras que vigorou até o fim do século XIX ainda é um processo que não teve sucessores à altura e continua sendo praticada por inúmeros artesãos ao redor do mundo.
O processo é simples e bastante compreensível. Nos moinhos de pedra não existe separação de
nenhum componente como vimos acima. Todos os elementos do grão original estão reunidos na
farinha: endosperma, farelo, aleurona e gérmen, tudo permanece vivo no sentido nutricional. Também não é exagero dizer que trabalhamos com o grão vivo, o grão íntegro, ou seja, com todo o
potencial de ser transformar numa nova planta.
O resultado do nosso processo de moagem é a farinha integral verdadeira, não um conceito comercial ou oportunista.

Se quer saber se você está consumindo uma farinha verdadeiramente integral procure saber qual foi o processo de moagem. Se é um processo que mantem unidos todos os elementos originais do trigo, sem malabarismos, como na moagem em moinhos de pedras, ou um processo que desagrega o grão e o divide em várias partes, desprezando seu valor nutricional e visando principalmente seu valor comercial.




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